Aqui tu tens capa e músicas do meu primeiro cd de músicas autorais. São 13 canções dentro da linha genericamente denominada MPG. O disco, primeiro fruto de um longo trabalho de auto-reinvenção musical, foi concebido pelo Financiarte – Financiamento Cultural da Prefeitura de Caxias do Sul - e gravado em 2015. Tu podes conhecer toda a concepção da obra que componho, bem como as explicações/inspirações de todas as músicas e as parcerias de gravação pelo meu blog . Lá também tem as letras de cada música desse disco.
Os meus olhos são janelas de uma alma sem resposta
Minha mente, um continente de conceitos abstratos
O meu Pampa é tão imenso, que não cabe nestes versos
Que um gaúcho da cidade se botou a escrever
Da janela da minha casa observo o fim de tarde
Pelo jeito desse vento, imagino que vem chuva
Eu procuro por sinais, olhando firme no horizonte
Como os meus antepassados me ensinaram a fazer
Na cidade ou no campo, todos fazem dessa forma
Pois o céu que nos encobre é igual pra qualquer um
E esse vento, quando sopra, é o canto que quer me mudar
E esse canto, quando sopra, é o vento que vai me levar
Minha sede de respostas se alimenta de perguntas
É capaz que um dia eu morra sem ninguém me responder
E tirando tanta dúvida me sobra uma certeza
Minha alma é uma casa com janelas frente Sul
E esse vento, quando sopra, é o canto que quer me mudar
E esse canto, quando sopra, é o vento que vai me levar
E esse vento, quando sopra, é o canto que quer me mudar
E esse canto, quando sopra, é o vento que vai me levar
Negro João nasceu sozinho, era João porque nasceu assim,
Do pai nem fazia ideia, nem da mãe, que um dia teve fim.
João trilhava seu destino cavalgando cada dia mais,
Tapejara como poucos, mas não tinha pra onde ir.
Nem reponte de invernada, nem o beijo de uma amada,
Não havia nada, nada que esperasse ele chegar...
Negro João seguia ventos, cruzamentos, tudo é direção.
Não rezava padres-nossos, não pedia proteção.
Tinha a lua como guia e o sol como irmão.
Só vivia a despacito, não pensava no amanhã.
Namorava com as estrelas nos pernoites de jornadas,
Conversava com o reflexo de si mesmo nas aguadas.
Negro João não era nada, menos que alma penada,
Andarilho invisível de planícies e canhadas.
Quando João morreu pra sempre transformou-se em cinamão
Foi cortado feito lenha pra graveto e pra tição.
Negro João está presente, pois se fez de picumã
Que eu vejo a cada instante nas veredas do galpão...
Eu sempre vivi a vida como vive um haragano:
andarilho, cão sem dono, sem chegada, sem partida.
Mas deixei menos amores nos lugares que passei
do que as mágoas e as dores dos afetos que eu levei.
Em todo afeto uma história, de cada tempo a saudade,
pois numa alma, a verdade não se esconde na memória.
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E de guardar os ressábios das faltas e das ausências
me sobra o destino dúbio de ter no pala a querência...
Me chamam de índio vago, andarengo, desalmado,
Desconhecem meu presente, não sabem do meu passado.
Por conta dos manotaços que me aplicou o destino
É que eu vivo teatino, de coração pela estrada.
E vou tocando meus dias pertencendo somente a mim.
Não fui eu quem quis assim, fiz aquilo que eu podia.
Quando um dia eu acordar e não mais me pertencer,
minha sina vou bolear em um presente qualquer...
Acordei olhando o sol nascer e percebi,
Na água viva da sanga,
Que a vida é a água dos regatos cheios,
Correndo para a lembrança.
A saudade em si – águas passadas;
E o sal dos olhos – são olhos d’água;
O meio sentimento – é água rasa;
Nossa ilusão – é um sonho d’água.
Vem pra viver, que a água represada perde a vez,
Entender que o percurso da estrada é fluidez,
Aprender de uma vez que a vida é feito água.
Acordei olhando para a vida e percebi
Que o tempo não vale nada.
Mergulhei na água que me leva para o rio
Dos homens de alma lavada.
O destino em si – é rota d’água;
E o teu sorriso – é água calma;
Nosso medo em vão – é queda d’água;
Tua compreensão – é água rara.
O meu sonho mais lindo, guria,
Passa por tomar um mate contigo
Numa bela manhã de domingo,
Dessas em que a gente acorda cedinho.
E quando a cuia tu vais me passando
E a tua mão encosta na minha,
Com o canto do olho te vejo me olhando,
Parece que teu desejo adivinho.
Guria, viver de sonhos é tão simples,
Só precisa de um par de coisas, que tu tens:
Vontade de me olhar sorrindo e amizade,
Que existe nas pessoas que a gente escolhe pra querer bem.
E enquanto a costela vai-se assando,
Eu sinto meu coração um braseiro,
A cuscada em torno de nós vai brincando
E eu vivendo com jeito de um moço faceiro.
Guria, quando teus olhos se enchem,
Clareiam a minha vida e transformam
Qualquer manhã de domingo em motivo
Para querer viver para sempre.
Noite bendita, lua de prata,
Faz serenata na nossa janela;
Quem é mais bela: ela ou teu corpo,
Que me ilumina no escuro do quarto?
Tens um jeito bom de me pealar com teus olhares,
Que fascinam como uma lua a se exibir.
Ela é testemunha da tropilha dos segredos
Que sabemos só ela, tu e eu...
Noite infinita, laço de almas,
O brilho que acalma, desperta e mostra
O mundo pequeno no rancho sereno,
Que dorme enfeitado de cores prateadas.
A metade do que sou leva teu nome,
Que some na estrada, mas deixa saudade.
Tão boa a lembrança, que a trago bem guardada
Nas frias manhãs de geada, numa cuia de mate, junto ao meu coração.
Onde quer que estejas, saibas que levo
Teus rodeios de alegrias junto comigo,
E teu jeito de amigo que tento imitar,
É meu costume lembrar, pra guardar teus sorrisos junto ao meu coração.
Sei que as estradas nos levam distantes
Mas os recuerdos são marcas de antes.
E se demora a passar, tua ausência é um sinuelo,
faltam até peçuelos pra guardar a conta dos dias sem ti
Sei que as lonjuras são coisas da vida
Mas tua figura é de essência nativa,
Como nativo é o chão, a água e o arvoredo,
As ruas e o passaredo, as gentes e o pampa... e o teu coração.
Fica sempre a ferida e a mágoa reculuta
Da verdade que reluta em esconder-se da vida.
Ficam ecos de memória nos esteios do passado;
Mais um ciclo encerrado, mais um ponto pra história.
A sala grande da alma é feito um quarto escuro,
Onde ronda o mau agouro e não se encontra viv’alma.
E nas certezas do agora não cabem questionamentos
Nem os puros sentimentos que os levavam outrora.
Ah, mas quem sabe da verdade? – Eu não sei...
Ah, ninguém sabe a verdade... e eu não sei.
Descaminhos se alinhavam, fim de ciclo se apresenta.
Quem fica na casa lamenta, e os olhos de quem vai choram.
Ninguém sustenta na cara nenhum arrependimento,
Antes viver no tormento do que viver malacara.
E assim os dois se afastam em ritos de Deus e Diabo,
Rompendo de vez o cadeado dos elos que os prendiam,
Nem mesmo tchau eles dizem, apenas seguem seus rumos,
E pros seus próprios consumos, de ilusões eles vivem.
Badulaques e os poucos pertences na mala,
Mochila nas costas que o mundo é pequeno.
Se manda à la cria, pro frio leva um pala
E um sorriso que filtra do mundo o veneno.
Na soga do tempo desbrava horizontes,
Avança até onde o andar permitir,
Lugares e gentes, nações, continentes, desertos e rios, nascentes,
poentes, paragens... pra frente seguir.
No passado ficou o lugar da história,
A mãe, o pai, o irmão e os amigos,
E na relação da minha alma a memória
De uma prenda de olhar fugitivo.
Ela não disse nada no dia em que eu fui,
Fez que fez e ao fazer despediu-se de mim.
Nesse dia seus olhos buscaram, miraram, pro fundo de si me tragaram e eu me perdi...
mas não me esqueci.
A querência é o lugar onde sabem teu nome.
A querência é o lugar onde lembram de ti.
Por mais que te vayas andando por aí,
Querência é o lugar onde um dia tu fez raiz...
De sangue crismado e forte, filha de peles-vermelhas,
Dos índios do Sul e do Norte, com um toque europeu.
Morena de cabelos negros e com olhos de amêndoa,
Olhar muita vez perturbado daquilo que perdeu.
O tempo passado e tirano ao longo dos anos forjou essa fêmea,
Mestiça de amor e de ganas, dona de casa de alma haragana.
Menina que cedo deixou a infância
E o sonho de estância ficou pra mais tarde,
Lembrança que aperta a garganta e que arde quando pensa
na vida.
Se a flores eu for compará-la, lembro uma flor de capim,
Do mato e da prenda mais rara fiz o meu jardim.
As mãos tão pequenas e ágeis le recorda viagens,
Mudanças de casa e paragens, sina que não tem fim.
Teu jeito ainda causa espanto em todos aqueles que não perceberam
Que tens uma estirpe de campo, tua pele é uma história que tantos contaram.
Morena, tua cor é meu pampa, é rumo de estrada, é caminho de ida,
Morocha querida, é pra ti esse canto.
É pra ti esse canto... é pra ti...
Em torno da fogueira, a cigana, dançando com seus lenços e seu leque,
Pertences, baluartes, badulaques, destino foi traçado pelas cartas.
É tanta dor em cada movimento, a dança é razão da tua vida,
A tua mão é que nunca foi lida, então revela para mim o teu tormento.
Baila, gitana, baila ao luar, me enlouquece,
Me transforma no fogo que te aquece.
Baila, cigana, baila ao luar, teu destino,
Me descobre pequeno, teu menino.
E os meus olhos loucos, tresnoitados, minados de uma gana abelheira,
Invadindo abertos as fronteiras daquilo que tu tens como cercado.
E varando todos teus tapumes, penetrando fundo os teus segredos,
Me pego desvendando os teus medos, enquanto me revelas teus perfumes.
Moura embaixatriz do negaceio, herança muito bruxa, meio fada,
De um jeito pouco cura, muito adaga, teus brincos me envolvem num rodeio.
Me quedo pealado por tus ojos carentes, haraganos e famintos,
e embriagado pelo vinho tinto entrego meus pertences e petrechos.
Nós, que andamos sem saber pra onde ir,
Rezamos sem saber o que pedir,
Buscamos a razão de estar aqui.
Nós, que estamos implorando proteção,
Estamos escondendo nossa mão,
Negamos o direito ao perdão.
Quem sabe nós paramos de pedir ajuda ao céu
E enxergamos o que tem além do véu
Que cobre nossos olhos e não nos deixa ver
Que toda a vida nos convida para ser um aprendiz
Da sina de um dia ser feliz.
Nós, que vamos apagando toda a luz,
Penamos carregando uma cruz,
Pagamos muito caro por ser cegos.
Nós, que andamos sem saber pra onde ir,
Rezamos sem saber o que pedir,
Buscamos a razão de existir.
Quem sabe nós paramos de pedir ajuda ao céu
E enxergamos o que tem além do véu
Que cobre nossos olhos e não nos deixa ver
Que toda a vida nos convida para ser um aprendiz
Da sina de um dia ser feliz.
A lembrança mais longa é uma foto nas barrancas do Rio Taquari
Eu cabia quase inteiro no meio das mãos de Glacy.
Não que eu lembre que estive ali, no entanto o registro é fiel:
A mãe, a criança, o rio, natureza cumprindo o papel.
Quando em novo, guri de colégio, do ladinho do rio me criei,
Descobrindo segredos, mistérios, bobagens, maldades e eis
Que chega a hora de i’mbora, de malas e cuias partir,
Seu Osmar dirigia o carro, qual seria o caminho a seguir?
Perto das águas eu existo, perto das águas.
Nunca soube se rio ou arroio que chamam o tal Pulador,
Arroio, talvez por tamanho, ou rio, por orgulho e amor,
Pois essas palavras ensinam e o tempo nos cobra depois,
Dividi com Marcelo a irmandade, quis a vida que fossem só dois.
Meu irmão, minha mãe e meu pai, os quatro de muda de novo,
O Fiúza não é o Uruguai, mas abraça nas curvas um povo.
E assim como um rio nunca para, a estrada nos leva além,
E bem perto do Rio Castelhano fiz muitos amigos e amei.
Perto das águas eu existo, perto das águas.
O piá deu a chance pro homem já maduro de peregrinar,
Que cumprindo o mapa da lenda pras origens devia voltar,
Pois havia bebido da sanga, pois havia saciado a fome,
Primavera renascem os brotos, e eu ganhei Rafael, alma e nome.
Nos banhados da Boca do Monte, Rio Pardinho que eu nunca esqueci,
Mas finquei alicerce nas pedras entre as Antas e o Rio Caí.
Bem no alto fiz minha choupana, ajeitada e cheia de mim,
Pra também abrigar Mariana, meus filhos, carinhos, meu fim.
Perto das águas eu existo, perto das águas.
A poesia que conta a história é vertente que não cabe em si,
Correnteza que aviva a memória e carrega o que eu sempre senti.
Pois sei que sou feito de barro e pra terra eu hei de voltar,
Mas que seja bem perto das águas que um dia eu vá descansar...